quarta-feira, 4 de maio de 2011

O MOMENTO DECISIVO - por Cartier-Bresson (parte do texto).


O MOMENTO DECISIVO
Por: Henri Cartier-Bresson (1908-2004) - Transcrito de "O Momento Decisivo",
in Bloch Comunicação, nº 6 Bloch Editores - Rio de Janeiro. Pags. 19 a 25,
1965.
Como muitos outros garotos, penetrei no mundo da fotografia com uma
Brownie da caixão que usava para colher instantâneos nas férias. Ainda
criança, tinha paixão pela pintura, que eu "fazia" às quintas feiras e aos
domingos, dia em que os meninos franceses são dispensados da escola.
Gradualmente, procurei o descobrir as várias maneiras de manipular uma
câmara. A partir do momento em que comecei a usar câmara e a pensar nela,
no entanto, acabaram-se os instantâneos de férias e os retratos tolos de
meus amigos. Tornei-me sério. Estava farejando alguma coisa e me ocupava
em saber do que se tratava.
Havia também o cinema, com alguns dos grandes filmes, aprendi a olhar, e
a ver. Mistérios de Nova Iorque, com Pearl White; os grandes filmes de D.W.
Griffith - Broken Blossoms; os primeiros filmes de Strohein - Greed; o
Potemkim, de Eisenstein, e Joana D'Arc, de Dreyer - estas algumas das fitas
que me impressionaram profundamente.
Depois, conheci alguns fotógrafos que tinham estampas de Atget. Eu as
considerava notáveis e, dentro do mesmo espírito, comprei um tripé, um pano
preto e uma câmara de nogueira polida, três por quatro polegadas. A câmara
era equipada de um cobre-lentes - em vez de obturador - que se retirava para
fazer a exposição e depois recolocava. Esse detalhe, é claro, confinava meus
ensaios ao mundo estático. Outros assuntos fotográficos pareciam-se
excessivamente complicados, ou então "coisas de amador". Naquela ocasião,
eu pensava que, ao deixá-los de lado, estava me dedicando à arte com A
maiúsculo.
Em seguida, passei a desenvolver esta minha Arte no laboratório. Achei
bastante divertido trabalhar como um faz-tudo da fotografia. Não sabia nada
sobre cópias e não desconfiava que certo tipo de papel produzia cópias
suaves, enquanto outro tipo dava cópias de alto contraste. Não me
preocupava muito com essas coisas, embora invariavelmente ficasse furioso
quando as imagens não saíam como eu queria no papel.
Em 1931, quando tinha vinte e dois anos, viajei à África. Na Costa do
Marfim comprei uma câmara-miniatura de um tipo que nunca tinha visto antes
e nunca veria depois. Era fabricada pela firma francesa Krauss. Empregava
filme parecido ao de 35 mm sem os dentes laterais. Durante um ano tirei fotos
com ela. Ao voltar para a França, revelei os filmes - não tinha sido possível
antes pois vivi isolado na mata a maior parte daquele ano - e verifiquei que a
umidade tinha penetrado no aparelho: todas minhas fotos haviam sido
embelezadas com os padrões superimpostos de samambaias-gigantes.
Tive hematúria malárica na África e me vi obrigado a repousar. Dirigi-me a
Marselha. Uma pequena mesada me permitiu viajar e trabalhei com
satisfação. Tinha acabado de descobrir a Leica. Tornou-se uma extensão de
meu olho e nunca mais me separei dela. Eu rondava pelas ruas o dia inteiro,
muito tenso e pronto para atacar, decidido a "capturar" a vida - e preservá-la
no ato de viver. Mais do que tudo, ansiava por capturar, nos limites de uma
fotografia, toda a essência de uma situação que estivesse no processo de se
desenrolar diante de meus olhos.
A idéia de fazer ruma reportagem fotográfica, ou seja, de contar uma
estória numa seqüência de fotos, era coisa que nunca me tinha passado pela
cabeça até a ocasião. Comecei a entender melhor a questão, mais tarde,
estudando o trabalho de meus colegas e as revistas ilustradas. Na verdade,
apenas no processo de trabalhar para elas foi que acabei aprendendo, pouco
a pouco, a fazer uma reportagem com uma câmara, como construir uma
reportagem fotográfica.
Viajei muito, embora não saiba realmente como viajar. Gosto de viajar
descansadamente, deixando entre um país e o seguinte um intervalo que me
permita digerir o que vi. Chegando ao novo país, sinto quase o desejo de me
instalar para viver e "senti-lo" da melhor maneira possível. Eu nunca poderia
ser Globe-Trotter.
Em 1947, cinco fotógrafos franco-atiradores, entre os quais eu, fundaram
uma empresa cooperativa chamada Magnum Photos. Essa empresa distribui
nossas reportagens fotográficas a revistas de vários países.
Passaram-se vinte anos desde que comecei a olhar através do visor. Mais
ainda me encaro como amador, embora não mais um diletante.

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